"Uma pequenina luz
Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando
no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumiè
rejust a little light
una picolla... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exactaque bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não: brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha."
Jorge de Sena, Fidelidade (1958), Moraes, Lisboa
«Jorge de Sena
Jorge (Cândido) de Sena (Lisboa, 2 de Novembro de 1919 — Santa Barbara, Califórnia, 4 de Junho de 1978) foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português. Licenciado em engenharia civil, dedicou-se à carreira de escritor, actuando como intervencionista político-pedagógico-cultural.
Tinha um posicionamento político livre e denunciador, que lhe acarretou perseguições políticas durante a ditadura salazarista. Exilou-se no Brasil em 1959 e, posteriormente, nos Estados Unidos da América em 1965, onde veio a falecer.
Foi, possivelmente, um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. Tem uma vasta obra de ficção, drama, ensaio e poesia, além de vasta epistolografia com figuras tutelares da história e da literatura portuguesas. Seu espólio conta com uma enorme quantidade de inéditos em permanente fase de preparação e publicação, aos cuidados de sua viúva, a Sra. D. Mécia de Sena. A sua obra de ficção mais famosa é o romance autobiográfico Sinais de Fogo, adaptado ao cinema em 1995 por Luís Filipe Rocha.
Recebeu o Prémio Internacional de Poesia Etna-Taormina, pelo conjunto da sua obra poética, e foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique, por serviços prestados à comunidade portuguesa. Recebeu, postumamente, a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago. Em 1980, foi inaugurado o Jorge de Sena Center for Portuguese Studies, na Universidade da Califórnia em Santa Barbara.» in Wikipédia.