«"Não é a Terra que está em perigo, é a nossa civilização"
Yann Arthus-Bertrand, autor do livro "A Terra Vista do Céu" fala-nos da sua mais recente exposição, Planet Ocean, patente no Ocenário de Lisboa, até 6 de Janeiro
No seu BI podíamos ter escrito que o entrevistado é jornalista, fotógrafo, realizador, ecologista, mas explique-se aqui que Yann Arthus-Bertrand é, antes de mais, um homem empenhado numa causa. Um militante que se descobriu, recentemente, muito mais humanista. "Hoje, o meu combate passa mais por vivermos juntos e respeitarmos o outro do que pelas alterações climáticas ", insistiu, ao telefone, antes de aterrar em Lisboa, onde esteve na apresentação da exposição Planet Ocean, com imagens aéreas suas e fotografias subaquáticas do americano Brian Skerry, no Oceanário.
Acabou de chegar da Argélia, onde esteve por causa do seu próximo filme, Human (humano). Quer falar-nos dele?
É um filme ambicioso que nos leva a dar a volta ao mundo, durante dois anos. Será a continuação de Home [O Mundo é a Nossa Casa], mas mistura a beleza do mundo com a beleza das palavras das pessoas, porque há gente que pode ensinar-nos muito. É um filme utopista e ingénuo sobre viver com os outros.
Porque diz isso?
Acredito que ser ecologista é amar as árvores, as aves, os animais, mas é, sobretudo, gostar de si próprio e respeitar o outro. Algo que, talvez, os ecologistas puros e duros esqueceram.
Parece-lhe que Home teve algum impacto real?
Foi visto por 600 milhões de pessoas, uma coisa enorme... Fiquei com vontade de fazer o Home, quando estive na produção de Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore. Mas agora, olhando para trás, o que aconteceu depois desse filme? Não se passou nada. Podemos dizer que o impacto é, talvez, no conhecimento, porque as alterações climáticas estão todos os dias nos jornais, as pessoas falam delas, toda a gente sabe o que se passa. Mas, no fim de contas, não avançámos muito.
O Homem continua a negar o que está a acontecer?
Sabemos mas não queremos acreditar. Vivemos numa civilização que se baseia no crescimento económico e, por isso, na energia e no consumo. Somos uma espécie extremamente invasora. Quando nasci, éramos 2,5 mil milhões. Durante a minha vida, a população quase triplicou. Somos 7 mil milhões de pessoas que têm fome, que consomem todos os dias. Essa energia, esse conforto, permite-nos consumir muito mais do que aquilo de que verdadeiramente precisamos. Hoje, vivemos numa espécie de superabundância pelo menos nos países ricos, dois ou três mil milhões de pessoas. E não sei se seremos capazes de parar.
É pessimista?
Atualmente, o meu combate passa mais por vivermos juntos e respeitarmos o outro do que pelas alterações climáticas. Mas não sou pessimista porque é demasiado tarde para isso. Precisamos de ação, e penso que esta utopia de vivermos juntos, de fazer com que as pessoas participem, é interessante. O nosso filme vai falar muito sobre isso.
Costuma ser apresentado como jornalista, fotógrafo, realizador, ecologista.
Mas não é, sobretudo, um homem empenhado numa causa?
Sou, antes de mais nada, um militante, sim. Hoje, o meu trabalho de militante é muito mais importante do que o de artista. Sou um jornalista empenhado, que tenta explicar as coisas através das imagens. E penso que agir torna-nos felizes. Não podemos olhar o mundo com a atitude "Bem, a coisa vai passar-se assim, não há nada a fazer". Claro que o facto de ser jornalista e de ter viajado pelo mundo e falado com muita gente permitira--me compreender isso.
Teve sorte...
Tive a sorte de viajar e conhecer pessoas que me explicaram muitas coisas. A vida é uma lenta aprendizagem. Aprendemos todos os dias e, quanto mais envelhecemos, mais percebemos que sabemos cada vez menos. O filme Human permitir-nos-á explicar as coisas com mais ternura. Diria que hoje estou mais no amor do que no combate.
Merci, I love you (obrigada, amo-vos).
No YouTube, há uma TedTalk sua, já com alguns anos, que termina com essa frase.
Ah, sim. Termino sempre os meus discursos dessa maneira, porque penso que ser ecologista é amar a vida. E amar a vida é amar os outros. As pessoas percebem o que quero dizer com essa frase. E é algo com que toda a gente pode terminar os seus discursos. "Amo-vos." Se o pensarem, claro [risos].
Qual a sua recordação mais antiga de que a Terra está em perigo?
Não é a Terra que está em perigo. É mais a nossa maneira de viver, a nossa civilização. Não tenho nenhuma recordação em particular e, na verdade, estou sempre a pensar no amanhã. Tenho vontade de saber o que vou descobrir, o que vou ver, quem vou conhecer. Hoje, sou muito mais humanista. E isso é algo de novo em mim, eu não era assim.
Isso é bom!
Penso que as pessoas que se empenham, que fazem, que amam, que partilham e dão a sua vida por uma causa são mais felizes do que as outras. E tenho vontade de me parecer com elas. As pessoas que todos admiramos são a Madre Teresa, o Mandela... São essas (e não as que se tornam nas mais ricas do mundo) que nos impressionam. E são essas que me interessam. Através do trabalho que faço, aproximo-me delas e vejo onde está o essencial.
O clique, na verdade, vem de trás, não é? Porque já era empenhado quando jovem.
Já era muito empenhado aos 20 anos, mas com os animais. Com as pessoas, o clique só aconteceu quando estava a fazer A Terra Vista do Céu e a começar Sete Mil Milhões de Outros . Depois, vi o impacto do filme nos espectadores, vi no Grand Palais, em Paris, como as pessoas estavam transformadas por ouvir os outros... A reação a esse projeto fez-me perceber que isso é que é importante. A palavra do outro.
Também ficou diferente, depois de andar pelo mundo a ouvir pessoas?
Não fui eu que fiz as entrevistas, havia uma equipa. Mas não se pode ouvir milhares de horas de gente a contar os seus sonhos, os seus problemas, sem se ficar transformado. Ouvi-las torna-nos melhores. O facto de ouvirmos os outros torna-nos menos idiotas e mais inteligentes. Se abrirmos o coração, claro. Para mim, foi uma enorme descoberta.
Como responde àqueles que dizem, em tom crítico, que as suas fotografias são demasiado belas?
Criticam-me muito mais do que isso. Criticam-me o helicóptero, o facto de trabalhar com grandes empresas... A beleza também é fragilidade. E, ao mesmo tempo, nós, fotógrafos, temos a tendência de estetizar tudo o que vemos. Há pouco tempo, estivemos a fotografar uma enorme lixeira, com centenas de pessoas em tratores a despejarem lixo - é horrível, mas tentámos fazer belas imagens. Estetizar não me incomoda. Mesmo a dor, a guerra, são estetizadas pelos fotógrafos. É assim. Aceito-o.
Parece-lhe que a crise financeira já está a ter impacto no planeta?
Penso que precisamos de uma revolução. Não será uma revolução científica, porque não vamos trocar de repente os 800 milhões de barris de petróleo que consumimos todos os dias por uns painéis solares mais sofisticados, e nós somos incapazes de reduzir o consumo. Também não será uma revolução económica, porque a Economia escapa-nos e o que ela quer é consumo. E, muito menos, uma revolução política, porque vivemos em democracia e temos os políticos que merecemos. Eles parecem-se connosco, não são melhores do que nós, não são líderes, são políticos com uma visão eleitoral.
E então?
Então, a única via é uma revolução espiritual. Não no sentido religioso, mas no sentido ético ou moral. "O que tenho direito de fazer", "O que não posso fazer", "O que posso fazer no meu dia a dia para não atacar tanto a Terra".
Um exemplo?
Há muitas coisas simples que podemos fazer no nosso dia a dia. Ou recusar. Não somos obrigados a comprar roupas com frequência, a trocar de telemóvel todos os anos... Não sou um bom exemplo, mas não como carne há um ano e meio, desde [a Conferência do] Rio 2012, e não me incomoda nada. É uma opção natural, quando se vê o ataque da carne no planeta. Repare que ainda devo fazer um maior esforço do que os outros, porque uso um helicóptero para fotografar, tenho de tentar compensar isso. Mas nós não somos culpados da nossa maneira de viver. Somos responsáveis. Essa é a grande diferença. Os ecologistas falaram demasiado de culpa, quando deviam falar de responsabilidade.
Li que teve problemas recentemente, durante as filmagens de Mediterrâneo Visto do Céu. O que se passou?
Tivemos algumas dificuldades, porque andámos a filmar em países que estavam em conflito ou perto disso. Passámos pelo Líbano quando começou a confusão na Síria, por exemplo, mas conseguimos sempre passar nos intervalos. Agora, para o Human, as coisas também não são simples. Filmar em Israel o tema de vivermos juntos é complicado.
Se lhe perguntar qual é o seu sonho na vida, responde...
Morrer com um sorriso. Ser bem-sucedido na vida profissional é fácil. Mas ser bem-sucedido na vida de homem é uma espécie de Graal. Implica ser bom marido, ser bom avô, dar-me bem com as pessoas com quem trabalho, não me encolerizar... É impossível, mas posso tentar (risos).» in http://visao.sapo.pt/nao-e-a-terra-que-esta-em-perigo-e-a-nossa-civilizacao=f753046#ixzz2hjdw2dps
(Green Economy - a film by Yann Arthus-Bertrand)