«Casas portuguesas, com certeza
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Quem sobe a montanha e observa Amarante do topo de Fregim consegue bem perceber a extensão do que um dia foi o império Abreu.
Várias unidades fabris precipitam-se vale abaixo e, exceção feita a um grupo de edifícios que a autarquia recuperou para transformar em parque industrial, todas elas estão votadas ao abandono. Ali chegaram a trabalhar 2700 pessoas. «Exportávamos para 57 países», lembra Mário, 58 anos, filho de José de Abreu.
A Tabopan fechou definitivamente portas em 1991 e José de Abreu morreu uma década depois. A maquinaria foi vendida como sucata - e a maior parte dela serviu para pagar ordenados em atraso e dívidas acumuladas. Pouco mais restou aos Abreu do que um palacete do século XVI , que é a casa de Mário Abreu.
É um edifício impressionante. José de Abreu comprou-o em 1963 ao visconde da Granja, cujo brasão de granito ainda hoje enfeita a fachada. A maioria dos 33 hectares de terreno que lhe pertenciam há muito que foram vendidos e, no chão que resta, as silvas estão a ganhar o combate. No piso térreo há uma enorme adega, que a casa tinha produção própria de vinho.
Também há a área onde os rapazes da família passavam o tempo. Uma sala grande, apinhada de sofás, discos e jogos, e dois quartos pequenos, onde dormiam as criadas.
Uma camada de pó cobre todas as superfícies, incluindo uma excelente coleção de vinis de Led Zeppelin e Sinatra.
O primeiro piso é território de fantasmas. Contam-se quatro quartos com camas de dossel, de madeira talhada por mãos experientes.
Alguns têm casas de banho embutidas em mármore. Há uma sala de refeições, onde uma enorme mesa senhorial tem espaço para sentar uma boa vintena de comensais. Ao lado um salão nobre, repleto de pinturas realistas e um relógio de pé extraordinário, parado às 16h18.
Depois uma sala de música, enfeitada por um piano desafinado, jarrões chineses que são pátria dos aranhiços, um quadro de Júlio Pomar. A biblioteca alberga uma coleção de livros antigos, enciclopédias e os livros de contas da Tabopan.
As paredes estão forradas por comendas, ordens de mérito, uma carta de agradecimento de Marcello Caetano, mais um par de fotografias de José de Abreu com o papa. Há um oratório cuja porta já não fecha, ocupa uma divisão inteira e tem no centro uma estátua de Nossa Senhora em tamanho natural.
A cozinha e a copa, tal como o resto da casa, preservam os adornos do teto. No sótão, existe uma divisão para guardar roupas e outra para guardar chapéus. Mesmo coberto de pó e desarrumado, não deixa de ser um solar tão vetusto quanto esplêndido.
Cada peça de mobiliário, de loiça, ou cada tela, vale uma pequena fortuna. E no entanto Mário Abreu, o último habitante da casa, há muito que deixou de pagar contas de água ou de eletricidade: «Não posso pôr-me a vender coisas porque há vários herdeiros e as partilhas não estão resolvidas.» A sua teoria é esta: «Há mais riqueza em Portugal, mas está ainda pior distribuída do que no tempo do salazarismo.
As grandes famílias, que possuíam as grandes casas, já não as podem manter.» O menino Mário, como foi tratado toda a vida, frequentou colégios internos e viajou pelo mundo, mas vive há semanas a seco e na escuridão. Até que decidiu pedir ajuda aos amigos. José de Abreu parece ter adivinhado o que estava para acontecer.
Dois anos antes de morrer, numa entrevista a Maria Filomena Mónica para o livro Os Grandes Patrões da Indústria Portuguesa , dizia: «Os pais começam do nada, os filhos já têm mais qualquer coisita e os netos são criados a pensar que isto é uma mina de ouro que nunca mais se esgota. É aí que começam os problemas.»
A fortuna da família não chegou sequer à terceira geração. E Mário vive em tal desespero que os Soares decidiram acolhê-lo em casa. Há três ou quatro décadas, o homem estava proibido pelo pai de falar aos Soares. Porque eram funcionários da Tabopan - e os meninos de família não tinham nada que falar com os empregados.
Na mesma medida em que a casa dos Abreu mirra, a dos Soares estica. Ali vivem Maria do Carmo, dois filhos, a nora e as netas. A avó desunha-se a trabalhar nas limpezas do pavilhão desportivo. Jorge, que nos anos de juventude esteve na seleção nacional de canoagem, voltou há um par de meses do Algarve com a mulher, as filhas, uma mão à frente e outra atrás. «Eu andava nas obras, a minha esposa a fazer camas nos hotéis.
O meu trabalho começou a escassear e à Leandra não a quiseram passar a efetiva, mandaram-na embora.» Meteram-se no carro pelas estradas nacionais e bateram à porta da mãe. «Entrem.» Foi João quem trouxe Mário Abreu para casa.
O filho mais velho da família Sousa fez os estudos, trabalhou vários anos como técnico numa rádio local e foi lá que conheceu o amigo magnata - Mário trazia os discos de Londres e fazia programas de música que eram, segundo ambos, «um espetáculo».
Agora, João é repórter de imagem de uma televisão online e, como as coisas estão mal, passou a ganhar o ordenado mínimo.
«Ia fazendo uns espetáculos de karaoke para ganhar mais uns trocos, mas ao fim de um tempo percebi que também já não podia pagar a renda de casa.» Tentou resistir, mas chegou a um ponto em que não pagava a água e andava a tomar banhos no Tâmega. Falou com a mãe e combinaram juntar-se numa casa maior, dividindo despesas.
Os Soares vivem num T3 em Amarante, pelo qual pagam mensalmente 320 euros. No quarto da avó dormem as duas gaiatas, Jorge e Leandra têm um quarto para eles e João outro para si, que é também onde trabalha.
Mário Abreu dorme no sofá e cada ocupante da casa contribui com o que pode. «O espaço é apertado mas ainda dá para comer todos os dias uma sopa», vaticina Maria do Carmo. «E se não der, também vamos ali ao pomar roubar fruta. Ai não.» E escangalham-se todos a rir.» in http://www.jn.pt/revistas/nm/Interior.aspx?content_id=3057118
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Já conhecia a simpatia do João e a Dona Maria do Carmo, pessoa que desde miúdo a vejo pelas ruas, sempre com uma piada para dizer a quem passa, no fundo, uma pessoa maravilhosa, a quem ninguém fica indiferente...
O gesto da família Soares, para com Mário Abreu, prova que a nobreza está muitas vezes onde menos se espera... parabéns, família Soares, de facto, não é preciso ter muito para dar e vós sois a prova viva disso mesmo; a generosidade faz parte do vosso ser!
O meu respeito e a minha vénia é para vocês, família Soares, que me emocionaram com este nobre gesto, que é muito mais do que caridade... é nobreza de coração!
Há muita gente com estatuetas e com medalhões de honra que não vos chega aos calcanhares, como seres humanos intrínsecos e completos!
Já agora, por onde param, nesta altura, os amigos que rodearam o Mário Abreu no período de abastança?... complexos, os humanos de Deus...
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