«Dr. Armando do Convento de Mancelos, ou o “Médico do Povo”…
O Doutor Armando do Convento, Médico de todos em Mancelos e
não só, realizou grande parte da sua nobre e humana atividade médica, até pouco
depois de meados do século passado, sendo uma pessoa muito respeitada, por todos
os mancelenses de então. Foi um autêntico “Médico do Povo”, numa área
geográfica que abrangia os concelhos de Marco de Canavezes, Penafiel, Lousada,
Felgueiras, Celorico de Basto e Amarante, num raio de ação com epicentro no
Convento de Mancelos. A pé, de comboio, de carro, ou a cavalo, arrancava a
qualquer hora do dia e da noite para fazer mais um parto, ou para atender mais
uma qualquer enfermidade de alguém.
Era o irmão mais velho do meu avô materno e devido à morte
prematura deste, foi o Pai que a minha Mãe tanto precisou… Também ele enviuvou
prematuramente, ficando com uma filha muito pequenina a seu cargo, a quem eu
sempre apelidei de “Tia Júlia”, pois era como se fosse uma Irmã da minha Mãe,
tal era a afinidade, cumplicidade e amizade entre ambas.
Com o consultório no Convento de Mancelos, onde residia, a
parte mais complicada do seu ofício tinha a ver com as saídas a pé ou a cavalo,
por entre caminhos e carreiros de muito difícil transito e com destino a locais
ermos e de acessos bastante complicados. A vida profissional do Dr. Armando,
passava ainda, por ir uma vez por semana ao Porto, pois era o Médico assistente
de uma grande fábrica têxtil da zona da Foz.
Uma dessas saídas ficou famosa na família, quando no início
de uma noite de tempestade, o Dr. Armando teve que se deslocar para os lados de
Fervença, Celorico de Basto, com o intento de fazer um parto, que se
perspetivava bastante difícil. Agarrou no cavalo, com a sua mala de
instrumentos médicos e abalou mais um seu criado, por caminhos tortuosos,
iluminados pelos relâmpagos, arrastados por ventos muito fortes e “refrescados”
pela forte chuva que se abateu no seu caminho. Chegados ao seu destino, o parto
lá se efetuou com grande dificuldade, mas com final feliz. No regresso,
ensopados, cansados, sem dormir, acabaram por se perderem, por caminhos e
atalhos. Após muitas horas a lutarem contra chuvas e ventos, lá chegaram à
então Vila da Lixa e, reconhecendo o local, o criado do Dr. Armando exclamou:
“Sr. Doutor Armando, já chegamos a terras de Portugal”, o que naturalmente
provocou uma enorme gargalhada de alívio, aos dois companheiros desta penosa,
mas bem sucedida jornada.
Quando chegavam amostras de medicamentos, o Dr. Armando lá
arrancava para os lados de Nogueira, então uma zona bastante pobre da Freguesia
de Mancelos, no sentido de distribuir os medicamentos por quem mais precisava,
além de prestar os cuidados de saúde aos mais necessitados, sempre de uma forma
voluntariosa e gratuita.
A última montada que teve, tratava-se de uma égua bastante
brava, que o impeliu muitas vezes para o chão, provocando-lhe algumas mazelas,
acabando por ter que se desfazer dela, deixando de poder realizar os seus
percursos a cavalo, a que não seria estranho, concomitantemente, o adiantado da
idade, deste médico humanista, que nunca virava a cara à luta, no cumprimento
da sua nobre e difícil missão.
Por entre todas as histórias, existe uma bem comovente que,
por envolver uma família da freguesia, da qual ainda existem descendentes
vivos, me vou abster de nomear. O Dr. Armando acabava de fazer mais um parto
muito difícil e passados dois meses a jovem Mãe acabou por falecer. Como se
sabe as taxas de mortalidade infantil e de complicações pós parto para as mães
eram muito elevadas, fruto da falta de condições higiénico-sanitárias e
instrumentais adequadas a um parto com as mínimas condições de higiene; note-se
que a grande parte dos partos ocorria no domicilio das parturientes e o
acompanhamento antes e depois do parto, eram os possíveis à data. Perante a
situação de um bebé sem o acompanhamento de uma Mãe, o Dr. Armando não
descansou enquanto não arranjou uma Senhora na freguesia que, substituísse a
Mãe biológica, na medida em que tal é possível. Um Médico num meio rural tinha
uma função que ia muito além da prática da medicina: conselheiro, psicólogo,
assistente social, etc.
Em tão poucas linhas é impossível dar sequer uma ideia do
espírito de missão e de dedicação do Dr. Armando à freguesia de Mancelos e localidades
adjacentes. Também não se pretende louvar uma atitude epitetada por alguns
complexados da esquerda de “veludo”, como “assistencialista”, deste grande
Homem; mas antes, relevar um espírito de missão inexcedível, com os parcos
meios existentes naquela altura, em Portugal. Ao contrário do que sucede hoje
em dia, os médicos não acabavam as suas carreiras, ricos monetariamente, mas,
se calhar, com uma valorização humana e consciência de dever cumprido, muito
superiores.
Que fiquem a saber os mestres da toponímia locais, movidos
por interesses mais imediatos e mesquinhos, que o Dr. Armando do Convento foi
um Homem simples, em que a sua nobre missão se sobrepôs sempre, aos seus
interesses pessoais!...
Helder Barros (https://informaticahb.blogspot.com/)»